#6 - Hotel Overlook: onde os mortos ficam vivos para sempre
Feliz aniversário para o rei, Stephen King
Na última quinta-feira, 21/09, o rei do suspense, Stephen King, completou 76 anos.
Nada mais que justo que a sexta edição da universos sombrios fizesse uma singela homenagem ao Cara.
O sujeito publicou nada mais nada menos que 62 livros; tem uns filmes por aí que talvez você não saiba que a história é dele; já escreveu Terror, Policial, Suspense, Fantasia Medieval (sim), Fantasia Sombria, Romance…
Considerando que ele começou a escrever aos 23, temos uma média de mais de um livro por ano de vida, é uma produtividade absurda (sem falar que vários são calhamaços assustadores - em vários sentidos).
Com uma obra tão extensa, é natural que os vários fãs do King sejam fãs de uma pequena parte do trabalho dele, ao passo em que desconhecem um percentual relevante do que ele produziu.
Por aqui não é diferente, eu li apenas 7 livros. Isso é pouco mais que 10% do que ele escreveu. Já foi o suficiente para a escrita dele entrar minha mente e me transformar num fã, sendo que a minha meta é ler pelo menos 50% das obras até o fim da vida.
Meta ousada.
Hoje o tema é mais ou menos, esse, King, mas com um foco especial no Hotel Overlook, que é um dos meus cenários favoritos, sendo o filme, O Iluminado (1973), meu favorito de Terror.
Numa conversa no grupo do Clube Escuro Medo (que tem esta newsletter brilhante da Irka Barrios), vários fãs de Terror revelaram não gostar nem do livro, nem do filme. Fiquei surpreso com isso, porque pra mim o filme é irrepreensível. Você também é do time dos que não gostaram de O Iluminado?
Trilha Sonora
Sempre achei a combinação dessa música com as imagens do Hotel Overlook, no filme do Kubrick, uma das composições mais assombrosas da história do audiovisual:
As duas versões de um mesmo hotel
Eu conheço pouca gente que não tenha assistido “O Iluminado”, de Stanley Kubrick, (1973) e muitos que assistiram, nunca leram o livro.
Os dois diferem muito sobre o quanto o sobrenatural afeta os personagens e a história, sendo o livro focado em presenças demoníacas, enquanto o filme faz uma abordagem mais sútil dos elementos inexplicáveis.
Aliás, o King disse ter detestado o filme, na época do lançamento.
Uma das causas fora justamente pelo fato de Kubrick ter tirado o peso que os demônios tinham na história.
A outra foi que o King detestou o Jack Torrance interpretado por Jack Nicholson. No início do livro, Jack é pintado como uma boa pessoa, enquanto no filme ele já é estranho e grosseiro desde o princípio. King entendia que a nuance de um homem bom sendo corrompido pelo Hotel Overlook era essencial para a trama e o arco dramático.
Eu sei que eu disse que essa edição comemora os 75 anos do Cara, eu sei. Mas nessa eu tô com o Kubrick.
Para mim, a versão canônica do Hotel é a do filme.
A forma como Kubrick compôs o cenário te impacta de maneira silenciosa e sutil e em todas as vezes que eu reassisto o filme (já foram dezenas), eu me percebo ficando tenso com o tanto de vermelho que aparece no chão e nas paredes.
A minha cena favorita ocorre exatamente no banheiro vermelho, onde Jack Torrence e Delbert Grady protagonizam o que é, pra mim, o melhor diálogo já feito num filme de Terror:
Outra razão para eu dar essa vitória ao Kubrick é que eu DETESTO as estátuas de leão que se mexem no livro. Sério, de onde ele tirou isso?
Mas tanto no filme quanto no livro, o hotel, aberto em 1907, é muito interessante.
Tanto é que o Steven Spielbierg resolveu incluí-lo como um dos cenários em seu filme Jogador nº 1 (2018).
Os padrões e as cores dão o tom do Overlook
Você se hospedaria num hotel cujo carpete tenha esse padrão?
Toda vez que reassisto o filme e esse corredor aparece, eu fico com a impressão de que alguma coisa de diferente vai acontecer, de que tem alguma coisa escondida que eu ainda não vi, algo como os fantasmas escondidos da Mansão Hill, do Mike Flanagan.
Parece o tipo de lugar que guarda vários segredos, não?
Acho genial como o Kubrick consegue evocar tensão sem uma linha de diálogo:
Esse guri vai encontrar alguém no final desses corredores, não vai?
Vai sim… ele sempre encontra…
Não tem nada nessa cena que não remeta à casa de vó, mas, mesmo assim, o Kubrick transformou em algo inquietante.
Todos os ambientes, acho que com a exceção da cozinha, passam o mesmo tom apreensivo:
Eu não me hospedaria por esse hotel por nada.
Aliás, sabia que existe um lugar, que inspirou Kubrick, e que você pode se hospedar? Uma pena que eles parecem não usar o carpete geométrico. Um dia acho que darei uma chance:
Se quiser uma conexão maior com o King, tem também o Stanley Hotel, local onde ele se inspirou a escrever o livro. Inclusive parece que eles fazem vários eventos de Terror por lá (tudo muito chique e caro):
Os habitantes do Overlook
Se tem algo em que o livro vai bem melhor do que o filme, é no elenco de aparições no hotel. Tem momentos no filme em que personagens icônicos do livro aparecem rapidamente, e de forma assustadora, mas foi só depois de lê-lo que consegui decifrar seus segredos.
Delbert Grady e as Gêmeas
Esses já foram apresentados. Delbert Grady foi uma das vítimas do Hotel Overlook e, ao passar um inverno solitário com sua esposa e suas duas filhas, ele se viu necessitado de… corrigi-las…
No filme, ele é a maior influência sobre Jack. Além disso, numa das poucas cenas que confirmam que as aparições que Jack enxerga não são fruto apenas de sua mente alcoolizada, Delbert Grady o liberta da câmara frigorífica após Wendy trancá-lo lá dentro.
Mrs. Massey
No filme, não há muita explicação sobre o background da Mrs. Massey, ela é apenas uma aparição perigosa que habita o quarto 237 e machuca o menino Danny.
No livro, explica-se que ela era uma senhora de 60 anos que levou um jovem de 17 anos para acompanhá-la em sua estadia no quarto 217. Depois de alguns dias, o rapaz cansa-se dela e começa a flertar com outras mulheres no bar. Logo depois, ele dá uma desculpa esfarrapada e a deixa sozinha.
Sentindo-se humilhada, ela toma uma overdose de pílulas e morre num banho de banheira…
Harry Derwent
De longe a aparição mais interessante do livro, Harry Derwent tem duas (possíveis) breves aparições no filme.
Quem o vê é Wendy, enquanto corre pelo hotel com uma faca na mão:
Esse simpático senhor foi dono do hotel durante um bom tempo, até vendê-lo para investidores para depois recomprá-lo num esquema escuso.
Isso é muito interessante, pois fica claro ao longo do livro (e do filme, em certa medida), que o Hotel Overlook nunca seria lucrativo pelo enorme custo de manutenção e pela necessidade de mantê-lo fechado durante todo o inverno. Ainda assim o Sr. Derwent volta a comprá-lo… porque?
O livro explora bastante o passado dessa aparição e deixa claro que ele não era boa pessoa, estando inclusive associado a mafiosos.
Para reforçar sua crueldade, King o colocou como um amante bissexual e manipulador e destacou uma vez em que Harry humilhou seu amante Roger, ao fazê-lo aparecer numa festa de gala vestido como cachorro.
Kubrick eternizou esse momento numa das cenas mais estranhas já feitas no cinema, que ganha alguns contornos de entendimento depois da leitura do livro:
Agora sempre que vejo essa imagem eu me lembro do cão-humano japonês, que meu amigo Marcus adora:
O Hotel enlouquece Jack Torrance?
O cerne do descontentamento do King com Kubrick é a visualização do personagem Jack Torrence.
Para King, Kubrick soterrou seu personagem ao escalar Jack Nicholson para interpretá-lo. Segundo aquele, isso fez com que o suspense do homem bom se tornar mau por conta da influência do hotel cair por terra (esse era o arco dramático principal do livro).
Isso acaba virando um problema pessoal para King, que colocou um pouco de si mesmo no personagem de Jack Torrence, que era um escritor convivendo com um problema de alcoolismo, algo que aconteceu com o próprio autor de O Iluminado.
No livro, os demônios vão perturbando Jack até que ele se vê completamente dominado pela influência do Hotel Overlook, o que é demonstrado através de vários diálogos com Grady e as demais aparições.
Já no filme, Jack já chega no hotel muito perturbado. Ele não consegue escrever (o que gera uma das cenas mais icônicas do filme), quer voltar a beber e sente que a família não gosta dele (como gostar de um cara grosseiro como esse?).
A cena fundamental do filme, é quando Jack caminha até o antigo bar do salão de festas e tem várias visões dos ocupantes do hotel em décadas passadas. Um barman lhe serve uma dose de uísque, que nunca saberemos se é de verdade ou não. Logo depois, Jack encontra Grady no banheiro e sabemos como isso termina.
E você. Acha que viveria de boa, sem ficar perturbado, vivendo totalmente isolado num hotel gigantesco e sem nenhum hóspede?
Quer dizer, sem nenhum hóspede vivo, mas na companhia de vários fantasmas da mais alta camada da elite americana… e com o Máscara da Morte Rubra dominando tudo…
Os outros trabalhos de King
Se eu tivesse que classificar o que eu li do King, a lista sairia assim:
Cemitério Maldito;
O Iluminado;
Misery;
Doutor Sono;
Joyland;
Sobre a Escrita;
Depois.
Cemitério Maldito é um livro brilhante e perturbador, além de não ser muito longo. Se eu tivesse que recomendar uma leitura do King, seria essa, até porque os filmes não fazem jus à qualidade do filme.
Se você escreve, sugiro conferir o livro Joyland.
Algo que achei muito diferenciado desse livro foi que o King conseguiu manter minha atenção por quase 100 páginas (do Kindle) sem entrar na trama propriamente dita.
É um primeiro ato bem longo, no qual acompanhamos o protagonista se adaptando à sua nova rotina enquanto funcionário do parque de diversões Joyland.
Entendo que os padrões mais recentes de escrita nos dizem para entrar logo na trama, sob o risco de perder o leitor se as coisas não esquentarem rapidamente.
Mas o King, em Joyland (assim como a Robin Hobb conseguiu fazer em praticamente todos os livros dela), demonstrou que conflitos pequenos, sem consequências pesadas ou conexão com a trama central, podem sim enganchar o leitor até que as coisas comecem a acontecer.
Gostando ou não do estilo extenso do King, é necessária muita habilidade de escrita para fazer isso num livro de suspense e ainda conseguir uma nota média de 4,5 na Amazon.
Recomendação Bônus
Vou ficar surpreso se você conhecer essa recomendação aqui, é o meu pedaço de conteúdo underground do King que guardo como um tesouro esquecido pelo tempo.
Assista “A Tempestade do Século”, um roteiro original do King transformado em minissérie (que mais parece um filme longo de 4h).
Apesar de pouco conhecido, você o acha facilmente no Youtube (em Inglês ou dublado, não achei legendado). Não tem a potência de O Iluminado, mas as 4h passam voando. Lembra um pouco o filme O Nevoeiro, que também é excelente.
Passe longe da série O Nevoeiro, é horrível…
Recomendações e Fontes
Seguem alguns links que me ajudaram a fechar os detalhes desta edição da universos sombrios, ou coisas que esbarrei por aí e gostei:
The Shining (film) | The Shining Wiki | Fandom
Stephen King's «STORM OF THE CENTURY» // Full Movie // Thriller, Mystery, Horror, Drama - YouTube
Mário, existe um email ou Instagram para mensagens diretas? Gostaria de lhe presentear com um livro.
Muito bom.