A Vila de Paranapiacaba, distrito de Santo André-SP, é um lugarzinho mágico, daqueles que talvez você nunca tenha escutado falar e, ao chegar, fica se perguntando por quê? Por que eu não conhecia?
Meio mística, meio cheia de HISTÓRIA, me apaixonei em poucos segundos ao ser recebido pela névoa persistente e densa, às 11:30h da manhã.
Além da neblina, Paranapiacaba possui outras similaridades com a mítica Silent Hill1…
Os mistérios e terrores correm soltos.
O post de hoje mistura literatura, videogame e um maravilhoso evento literário que participei.
Atenção: forte risco de encontrar algo desagradável na neblina.
IV Ghost Story Challenge
Minha visita à Paranapiacaba se deu por um motivo muito especial, fui participar do IV Ghost Story Challenge, promovido pela Associação Brasileira de Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror - ABERST.
Foram quase 30 escritores reunidos nesse lugarejo, com direito a visitas noturnas ao cemitério, corujão de toró de palpite literário e o cambuci, que deixou algumas pessoas intrigadas, enquanto outras o consideraram o verdadeiro vilão de Paranapiacaba.
Nossos passeios noturnos foram guiados pelo Jairo Costa, guia local e escritor, cujo livro sobre as lendas e mitos de Paranapiacaba me foi de grande inspiração para a escrita do conto “Bata Três Vezes”, um resultado dessa experiência imersiva.
Paranapiacaba
Assim como em Silent Hill, o véu que separa a realidade da ficção, em Paranapiacaba, é fino, quase inexistente.
Basta virar uma esquina e, opa!, sabia que aconteceu uma coisa bem diferente por aqui?
A vila serviu como um ponto fundamental para a operação das ferrovias inglesas, nos séculos XIX-XX. A presença britânica, que perdurou até 1946, deixou legados históricos bem diferentes e que ainda podem ser apreciados.
Não é muito o foco deste texto, mas parece que nem todo mundo gostava da presença desse império em São Paulo, havendo até suspeita de incêndios criminosos contra instalações ferroviárias britânicas ao longo do século XX.
Outro pedaço de história, esse bem mais antigo, é que Paranapiacaba foi um importante ponto de passagem de vários povos indígenas, incluindo o Império Inca.
Esses elementos históricos misturam-se com a ficção, ou não, criando lendas próprias do local, como espíritos britânicos vingativos, vozes de crianças que gritam num lago, o Homem da Capa, Jack Estripador, sem contar os mais diversos e tenebrosos vagões ferroviários.
A energia mística do lugar é tão forte, que além de escritores com ideias esquisitas, a vila recebe anualmente, desde 2003, a Convenção de Bruxas e Magos promovida pela Casa da Bruxa.
Coletânea: Mistérios da Meia-Noite
O IV GSC gerou o único resultado possível: uma coletânea com histórias perturbadoras, “Mistérios da Meia-Noite”, concretizada num livro lindíssimo pela Editora Alarde, com prefácio de Tito Prates e edição de Rodrigo Fonseca.
Os 26 contos exploram tanto os elementos mitológicos, quanto os históricos, para tecer histórias de arrepiar os pelos da nuca. Destaco alguns dos que me mais me chamaram a atenção.
Cão Velho - Fabiana Ferraz
Esse conto é aterrador, abordando a lenda local do Homem da Capa Preta, mas também é emocionante - me deixou de olhos marejados -, pois homenageia os verdadeiros heróis nacionais (um alô para o conto do J.P. Schmidt que também faz isso brilhantemente). O final me surpreendeu de tão lindo.
Suor e Outros Sacrifícios - Rafael G. Esteque
O gancho dessa história é muito forte. Um trem inteiro some na neblina, e funcionários confusos precisam dar explicações para os chefes. O que mais gostei nessa história é que evoca as tensões culturais que deviam existir na época em que os ingleses estavam por aqui, mas também se apropria do imaginário místico para construir um contexto bem interessante.
Best-Seller - J.C. Gray
“Best-Seller” me lembrou imediatamente de outro jogo, Alan Wake. É uma história um tanto estranha que envolve um escritor que detesta cambuci e que maneja palavras com muito poder. O final me deixou com um grande “?’ na cabeça, do melhor jeito possível.
O Barão e o Maquinista - L.F. Bomfá
Este conto constrói um mistério gostoso de acompanhar, tem tensões culturais, religião, política e umas bizarrices que poderiam facilmente aparecer num Silent Hill 5. O Maquinista é f*da.
Quero muito revisitar Paranapiacaba após ler essas histórias, alguns pontos da cidade vão me parecer bem diferentes numa segunda visita.
Aliás, também tenho uma história na coletânea…
Bata Três Vezes - Mario de Abreu
Tanto aqui na newsletter, quanto nesta história, eu vivo avisando para vocês tomarem cuidado ao abrir portas. Aprendi isso bem cedo jogando Resident Evil e Silent Hill.
Por sinal, tenho que confessar que “Bata Três Vezes” possui inspiração direta em Silent Hill 2 e na expansão Born From a Wish (assim como boa parte das coisas de Terror que escrevo).
Silent Hill é uma cidade com vida própria e manifestação de sua energia, em interação com moradores e visitantes, é capaz de criar muitos mistérios, inclusive senso de identidade e pertencimento.
Na minha imaginação e pelo que senti durante a visita, especialmente enquanto imerso nas brumas, Paranapiacaba também possui essa magia.
Essas duas inspirações fervilharam na minha mente, criando uma história que começa assim:
— James, eu não entendo o que está escrito — disse madame Camélia, devolvendo-me o bilhete que eu lhe entregara instantes antes.
Eu mesmo ainda não tinha lido o conteúdo. Uma simples frase em inglês: “Não confie nela”.
Caso queira saber como termina esta história e conhecer os outros 20 contos, não deixe de conferir a coletânea (link para a compra).
Considerações Finais
Só tenho a agradecer à ABERST por promover essa experiência incrível, foi muito bom estar com outros escritores trocando ideias num cenário de ideias infinitas.
Mais um tijolinho que coloquei na minha estrada para conectar literatura e jogos, um mundo que tem sido um prazer desbravar.
Recomendações e Fontes
Seguem alguns links que me ajudaram a fechar os detalhes desta edição da universos sombrios, ou coisas que esbarrei por aí e gostei: